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Lula e Janja ignoram carta de Walter Salles e cineastas por urgência do PL do streaming
Lula e Janja ignoram carta de Walter Salles e cineastas por urgência do PL do streaming
Por Eduardo Moura/Folhapress
08/10/2025 às 11:34
Atualizado em 08/10/2025 às 12:07

Foto: Valter Campanato/Agência Brasil/Arquivo
Dois meses após a publicação de um manifesto sobre a urgência da regulamentação do streaming, endereçada a Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e assinada por mais de 600 atores e cineastas, o presidente não se manifestou sobre o tema ou marcou encontros com o setor do audiovisual, o que tem despertado insatisfação e críticas no meio.
A primeira-dama Rosângela Lula da Silva, a Janja, figura ligada à cultura e que recebeu maior distinção pública da Ordem do Mérito Cultural neste ano, também não comentou o documento.
Nas entrelinhas da carta, destaca-se o apelo por maior protagonismo da Cultura no governo Lula 3, daí a importância de uma resposta do presidente ou da primeira-dama, não necessariamente formal, mas uma sinalização de que o era era prioritário para a Presidência, e não somente do MinC.
A carta foi considerada um marco pelo setor, tanto pela linguagem mais dura quanto pela assinatura de nomes de peso como Walter Salles —diretor de "Ainda Estou Aqui", que deu o primeiro Oscar ao país—, Fernando Meirelles, Kleber Mendonça Filho, Laís Bodanzky, Petra Costa, Daniel Filho, Fernanda Torres e Wagner Moura.
"Não podemos aceitar que o nosso mercado audiovisual seja usado como moeda de troca, como em momentos anteriores de nossa história", diz trecho da carta.
Houve oportunidades para falas públicas sobre o tema. Dois dias após a publicação do manifesto, "O Agente Secreto", cotado para o Oscar, foi exibido para Lula e Janja no Palácio da Alvorada. A cerimônia foi comandada pela primeira-dama, e a carta não foi mencionada.
Em outra sessão de cinema no Alvorada, em setembro, com exibição de "A Melhor Mãe do Mundo", da diretora Anna Muylaert, também não foram registradas falas sobre a questão.
Quando "O Agente Secreto" foi selecionado para representar o Brasil no Oscar, Lula e Janja postaram uma foto com o letreiro "Cultura soberana", comemorando as premiações do filmes, mas sem fazer menção à regulamentação do VoD, ou vídeo sob demanda.
Desde que o presidente americano Donald Trump retaliou comercialmente o país usando como argumentos pretextos políticos e acusando a justiça brasileira de perseguir Jair Bolsonaro (PL), Lula tem feito falas recorrentes em reforço à soberania nacional, criticado interferências estrangeiras e pedindo respeito, mas não sobre a regulamentação do streaming. Os dois conversaram nesta segunda, por telefone, e o principal assunto foi o tarifaço de 50% aplicado governo dos EUA ao Brasil.
Procurada, a Secretaria de Comunicação Social da Presidência, a Secom, apenas encaminhou uma resposta do Ministério da Cultura, que diz que "ter nomes como Walter Salles, Fernanda Torres, Wagner Moura e Kleber Mendonça Filho apoiando essa causa reforça a importância de um marco regulatório que defenda os interesses e a soberania do audiovisual nacional".
A pasta afirma ainda que "a regulação do VoD é uma prioridade máxima, e acompanha de perto a tramitação da proposta que está na Câmara dos Deputados".
No dia seguinte à carta, a ministra Margareth Menezes se reuniu com representantes do setor sobre regulamentação do VoD. "Avançamos no diálogo, com escuta aberta ao setor, ao Congresso, ao Governo e às próprias plataformas", afirmou, na ocasião.
Menezes postou em sua conta oficial nas redes sociais que o governo apoiava o PL relatado por Jandira Feghali (PCdoB-RJ), "que foi construído de forma colaborativa, com base em propostas discutidas com diversas instâncias da nossa pasta".
Já o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB) se reuniu com representantes do audiovisual brasileiro duas semanas depois da publicação da carta.
Antes da carta, em março deste ano, o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) se reuniu com representantes do setor e com Jandira Feghali.
Vários nomes do setor demonstraram insatisfação com a falta de resposta. O diretor Gabriel Mascaro, premiado em Berlim neste ano, afirma que "Lula tem uma oportunidade muito especial para afirmar a importância de garantir a soberania brasileira no audiovisual". "É incompatível com o governo Lula não se manifestar e não enfrentar esse debate como ele merece", diz o cineasta.
"Creio que o presidente Lula se satisfaz com as comemorações, indicações e prêmios em festivais internacionais, festas pela proliferação de produtoras em todo o país sem se dar conta do grave momento que vivemos", afirma a produtora Mariza Leão. "Recursos públicos como do Fundo Setorial do Audiovisual ignoram investimentos numa indústria audiovisual brasileira. O crescimento do público de filmes nacionais nas salas de cinema é baixo e os filmes que tem atraído o público necessitam de investimentos realistas."
"A luta pela regulação do VoD tem sido enfrentada pelos sindicatos com apoio do governo, mas sem a voz e presença ativa e essencial do Lula. Triste", diz Leão.
"Continuamos ansiosos esperando que o governo Lula retome as rédeas da política cultural, reafirme a soberania cultural brasileira e trate o audiovisual como o campo estratégico que ele é, como aconteceu em seus dois primeiros mandatos e foi imensamente aplaudido por todos nós", afirma o diretor Joel Zito Araújo.
Já outras figuras do setor audiovisual ponderam que não é justo cobrar uma resposta formal do presidente Lula, e que as respostas se dão em diálogos nos bastidores.
Nos últimos meses, plataformas como Netflix e Amazon têm se aproximado de diferentes áreas do governo federal e participam de mesas de negociação para apoiar projetos variados, como reformas de salas de cinema, campanhas de promoção do turismo e reformas em equipamentos públicos.
O PL do streaming tem como foco a Condecine, a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional, que é cobrada de sala de cinema a TV a cabo, mas as plataformas como Netflix, que está no país há quase 15 anos, não pagam.
A discussão sobre o tema vem se arrastando há anos. O grupo, que já encaminhou outras cartas ao governo, defende 6% como alíquota mínima das plataformas na Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional, a Condecine.
A Strima —a associação que reúne Disney+, Netflix, Max, Prime Video e Globoplay—, quer, por outro lado, que a alíquota da Condecine caia para 3%. A entidade se reuniu no mês passado com o Ministério da Cultura e apresentou uma lista de propostas que diminuem o ônus sobre as plataformas.
Entre os pontos mais controversos defendidos pela Strima está a autorização de destinação de recursos da Condecine a produções sem propriedade intelectual majoritariamente pertencente a brasileiros.
Na carta, o grupo de cineastas, atores e diretores se manifestam contra isso.


