
Neomar Filho
Entre a prescrição penal e administrativa
01/10/2025 às 17:27
Atualizado em 01/10/2025 às 17:27
Na Sessão da 1ª Câmara do Tribunal de Contas do Estado da Bahia de 30 de setembro de 2025, em processo que avaliou recursos estaduais repassados, via convênio, a um determinado município baiano, a Conselheira Carolina Matos, relatora do caso, apresentou uma solução elucidativa para o estudo dos prazos prescricionais aplicados às demandas administrativas.
Embora comprovado o ressarcimento integral dos valores transferidos e não utilizados aos cofres estaduais, permaneceu o debate acerca da omissão do dever constitucional de prestar contas pelo ex-prefeito.
A complexidade residiu no fato de que os quatro Planos de Ação do convênio tinham datas específicas para prestação de contas: fevereiro de 2010 (PA 2009), fevereiro de 2011 (PA 2010), janeiro de 2012 (PA 2011) e janeiro de 2013 (PA 2012).
Conforme o artigo 3º, inciso II, da Resolução nº 074/2023 do TCE/BA, o prazo prescricional de cinco anos começa a contar da data em que as contas deveriam ter sido prestadas. Assim, quando (no caso analisado) a Comissão de Tomada de Contas foi constituída em dezembro de 2016, as prestações de contas dos três primeiros Planos já estavam prescritas (com prazos vencidos em 2015, 2016 e início de 2017, respectivamente). Ademais, a primeira notificação ao ex-gestor ocorreu apenas em junho de 2017, e o processo ainda sofreu outras paralisações.
A fundamentação jurídica elaborada no voto da Conselheira revela sólida construção argumentativa ao aplicar o artigo 3º, §2º, da Resolução nº 074/2023 do TCE/BA, que determina a aplicação do prazo prescricional penal (somente) quando houver denúncia criminal sobre os mesmos fatos. Esse entendimento protege a expectativa legítima do jurisdicionado, elemento essencial da segurança jurídica consagrada em nosso ordenamento.
Essa interpretação formulada pela Conselheira Carolina Matos converge ainda com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (Tema de Repercussão Geral nº 899), que reconheceu a prescritibilidade das pretensões punitivas dos Tribunais de Contas, e do STJ, que tem estendido as garantias penais ao direito administrativo sancionador. Por fim, a decisão preserva a coerência sistêmica do ordenamento jurídico: seria contraditório que a mesma conduta omissiva - tipificada como crime no artigo 1º, VII, do Decreto-Lei 201/67 - tivesse prazos prescricionais distintos nas esferas penal e administrativa.
A análise acerca da prescrição ficou ainda mais apimentada com a divergência entre o Ministério Público de Contas, que sustentou tratar-se de infração penal comum prevista no artigo 1º, VII, do Decreto-Lei 201/67, cuja pena de detenção de 3 meses a 3 anos atrairia o prazo prescricional de 8 anos conforme o artigo 109, IV, do Código Penal, e a ATEJ, que defendeu tratar-se de infração político-administrativa, aplicando-se o prazo quinquenal do artigo 1º, §2º, da Lei 9.873/99.
A Conselheira Carolina Matos solucionou a controvérsia aplicando o entendimento mais favorável ao jurisdicionado: reconheceu o prazo de 5 anos previsto na regra geral do artigo 3º da Resolução TCE/BA 074/2023, uma vez que não havia comprovação nos autos de efetivo recebimento de denúncia criminal - condição necessária para aplicação do prazo penal mais extenso, tendo sido acompanhada por seus pares.
Essa condução estabelece importante precedente na aplicação do instituto da prescrição no controle externo. Ao harmonizar a Lei Federal nº 9.873/99, o Decreto-Lei nº 201/67 e a Resolução TCE/BA nº 074/2023 com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, a Corte de Contas caminha para consolidar entendimento que equilibra efetividade do controle com garantias fundamentais dos jurisdicionados.


