Artigos do Colunista

Neomar Filho
Advogado eleitoralista da NF Assessoria Jurídica, Membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP), Membro da Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Bahia, Professor de Direito Eleitoral de cursos de graduação e pós-graduação. É Procurador Municipal, e assessor jurídico na Câmara dos Deputados e de diversos municípios. Foi pesquisador bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia, e Assessor Parlamentar. Atua nas áreas eleitoral, partidário, público-municipal e perante tribunais de contas.
Entre a prescrição penal e administrativa
Na Sessão da 1ª Câmara do Tribunal de Contas do Estado da Bahia de 30 de setembro de 2025, em processo que avaliou recursos estaduais repassados, via convênio, a um determinado município baiano, a Conselheira Carolina Matos, relatora do caso, apresentou uma solução elucidativa para o estudo dos prazos prescricionais aplicados às demandas administrativas. Embora comprovado o ressarcimento integral dos valores transferidos e não utilizados aos cofres estaduais, permaneceu o debate acerca da omissão do dever constitucional de prestar contas pelo ex-prefeito. A complexidade residiu no fato de que os quatro Planos de Ação do convênio tinham datas específicas para prestação de contas: fevereiro de 2010 (PA 2009), fevereiro de 2011 (PA 2010), janeiro de 2012 (PA 2011) e janeiro de 2013 (PA 2012). Conforme o artigo 3º, inciso II, da Resolução nº 074/2023 do TCE/BA, o prazo prescricional de cinco anos começa a contar da data em que as contas deveriam ter sido prestadas. Assim, quando (no caso analisado) a Comissão de Tomada de Contas foi constituída em dezembro de 2016, as prestações de contas dos três primeiros Planos já estavam prescritas (com prazos vencidos em 2015, 2016 e início de 2017, respectivamente). Ademais, a primeira notificação ao ex-gestor ocorreu apenas em junho de 2017, e o processo ainda sofreu outras paralisações. A fundamentação jurídica elaborada no voto da Conselheira revela sólida construção argumentativa ao aplicar o artigo 3º, §2º, da Resolução nº 074/2023 do TCE/BA, que determina a aplicação do prazo prescricional penal (somente) quando houver denúncia criminal sobre os mesmos fatos. Esse entendimento protege a expectativa legítima do jurisdicionado, elemento essencial da segurança jurídica consagrada em nosso ordenamento. Essa interpretação formulada pela Conselheira Carolina Matos converge ainda com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (Tema de Repercussão Geral nº 899), que reconheceu a prescritibilidade das pretensões punitivas dos Tribunais de Contas, e do STJ, que tem estendido as garantias penais ao direito administrativo sancionador. Por fim, a decisão preserva a coerência sistêmica do ordenamento jurídico: seria contraditório que a mesma conduta omissiva - tipificada como crime no artigo 1º, VII, do Decreto-Lei 201/67 - tivesse prazos prescricionais distintos nas esferas penal e administrativa. A análise acerca da prescrição ficou ainda mais apimentada com a divergência entre o Ministério Público de Contas, que sustentou tratar-se de infração penal comum prevista no artigo 1º, VII, do Decreto-Lei 201/67, cuja pena de detenção de 3 meses a 3 anos atrairia o prazo prescricional de 8 anos conforme o artigo 109, IV, do Código Penal, e a ATEJ, que defendeu tratar-se de infração político-administrativa, aplicando-se o prazo quinquenal do artigo 1º, §2º, da Lei 9.873/99. A Conselheira Carolina Matos solucionou a controvérsia aplicando o entendimento mais favorável ao jurisdicionado: reconheceu o prazo de 5 anos previsto na regra geral do artigo 3º da Resolução TCE/BA 074/2023, uma vez que não havia comprovação nos autos de efetivo recebimento de denúncia criminal - condição necessária para aplicação do prazo penal mais extenso, tendo sido acompanhada por seus pares. Essa condução estabelece importante precedente na aplicação do instituto da prescrição no controle externo. Ao harmonizar a Lei Federal nº 9.873/99, o Decreto-Lei nº 201/67 e a Resolução TCE/BA nº 074/2023 com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, a Corte de Contas caminha para consolidar entendimento que equilibra efetividade do controle com garantias fundamentais dos jurisdicionados.
01/10/2025 às 17:27
A decisão do STF que todo prefeito precisa conhecer
Recentemente o Supremo Tribunal Federal, quando da análise da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 982/PR, estabeleceu a seguinte tese: 1) Prefeitos que ordenam despesas têm o dever de prestar contas, seja por atuarem como responsáveis por dinheiro, bens e valores públicos da administração, seja na eventualidade de darem causa a perda, extravio ou outra irregularidade que resulte em prejuízo ao erário. 2) Compete aos Tribunais de Contas, nos termos do art. 71, II, da Constituição Federal de 1988, o julgamento das contas de prefeitos que atuem na qualidade de ordenadores de despesas; 3) A competência dos Tribunais de Contas, quando atestada a irregularidade de contas de gestão prestadas por prefeitos ordenadores de despesa, restringe-se à imputação de débito e à aplicação de sanções fora da esfera eleitoral, independentemente de ratificação pelas Câmaras Municipais, preservada a competência exclusiva destas para os fins do art. 1º, inciso I, alínea g, da Lei Complementar nº 64/1990. Para que não existam dúvidas acerca do que foi decidido pelo Supremo nesse caso, é importante esclarecer algumas questões relevantes quanto ao tema do julgamento de contas de prefeito. De início, não há dúvidas acerca da necessidade da apresentação dos documentos que comprovem a regularidade dos gastos públicos por aqueles que exercem o mandato de prefeito, ora perante a Câmara Municipal, ora perante os Tribunais de Contas. Nesse ponto, faz-se necessário diferenciar as contas de governo, prestadas anualmente, e as contas de gestão, que são obrigatórias na hipótese da administração de verbas públicas. E tão importante quanto é a distinção, de igual modo, da competência para o julgamento das contas em cada uma dessas situações. Nas primeiras (contas de governo), há a demonstração da execução orçamentária do município, e da atuação governamental dentro de um exercício financeiro, retratando, por exemplo, o cumprimento de índices constitucionais (saúde e educação) e a observância ao limite de gastos com pessoal. Aqui reside a competência da Câmara Municipal prevista na Constituição Federal de 1988. Nas palavras do Ministro Luís Roberto Barroso, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 848.826/CE, “o julgamento dessas contas feito pelos representantes do povo é eminentemente político”. Já no que tange às contas de gestão, estas são prestadas por administradores de recursos públicos, enquanto ordenadores de despesas. Quanto a essas contas, o Ministro Flávio Dino, relator da ADPF nº 982/PR, esclareceu que “a Constituição Federal dispõe que compete, às Cortes de Contas, exercerem seu julgamento”. Feitos esses esclarecimentos, é importante compreender por que essa definição pelo STF era necessária e representa um distensionamento entre os Tribunais de Contas, o Poder Judiciário, as Câmaras Municipais e os próprios prefeitos. Antes dessa decisão, diferentes Tribunais de Justiça do país interpretaram, de maneira divergente, as competências das Cortes de Contas para julgar atos de prefeitos enquanto ordenadores de despesa, revelando um cenário de imprevisibilidade em desfavor da governabilidade e do controle externo. Com a nova tese firmada pelo Supremo, os Tribunais mantêm sua competência técnica para analisar a regularidade dos gastos públicos e aplicar sanções administrativas, enquanto as Câmaras Municipais preservam sua prerrogativa democrática de julgar as contas de governo e decidir sobre questões que possam gerar inelegibilidade. Cada instituição passa a exercer suas competências dentro de limites bem definidos. A decisão do STF representa, assim, um marco para a segurança jurídica dos gestores municipais. Ao estabelecer com clareza as fronteiras entre o controle técnico dos Tribunais de Contas e o controle político das Câmaras Municipais, a Suprema Corte fortalece tanto a autonomia municipal quanto a eficiência do sistema de controle externo. Para os prefeitos, isso significa poder desempenhar as suas funções com maior previsibilidade sobre as consequências de seus atos, sabendo que o julgamento técnico de suas contas de gestão ficará restrito aos aspectos administrativos e financeiros, enquanto as implicações eleitorais permanecerão sob o crivo democrático do Poder Legislativo local.
16/06/2025 às 15:04
Candidaturas coletivas
Está em tramitação no Senado o Projeto Lei Complementar nº 112 de 2021, que unifica as normas eleitorais do ordenamento jurídico brasileiro. Com 898 artigos, a proposta - que já teve o aval da Câmara dos Deputados - está em fase de escuta popular por intermédio de audiências públicas. São inúmeras as novidades que essa nova legislação pode implementar caso seja aprovada pelo Congresso Nacional. Uma das inovações do já apelidado “Novo Código Eleitoral” está na previsão das candidaturas coletivas, que simbolizam a representatividade de um grupo social. Atualmente, as candidaturas que defendem os propósitos de um determinado coletivo estão formalmente incluídas no âmbito da Resolução TSE nº 23.675/2021 (que alterou a Resolução TSE nº 23.609/2019 referente aos procedimentos para os pedidos de registro de candidatos e candidatas), mas as regras existentes no país não estabelecem o exercício do mandato eletivo de maneira compartilhada. O Tribunal Superior Eleitoral vem permitindo, contudo, a identificação de candidatos e candidatas, na composição do nome de urna, com a denominação do grupo ou coletivo social que representem. Importante registrar que, muito embora mais facilmente associada ao parlamento, já há experiências de candidaturas coletivas também na disputa por um mandato eletivo no âmbito do Poder Executivo, como, por exemplo, no pleito de 2024 em São Sebastião - município do Estado de São Paulo. Quanto a essa experiência, de um total de 51.120 votos válidos o candidato a “mandato coletivo” de prefeito obteve pouco mais de 220 votos (aproximadamente 0,44% do eleitorado que compareceu às urnas e optou por um nome). A tendência pela representação por intermédio de candidaturas coletivas, entretanto, demonstrou um decréscimo com relação ao pleito de 2020. Um levantamento feito pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC) - responsável por traçar o perfil dos eleitos nas últimas eleições municipais - aponta uma redução de 30% no número da eleição de candidatos e candidatas apoiados “formalmente” por um grupo ou coletivo social. Outro dado encontrado pelo INESC acerca dos mandatos compartilhados indica para um distanciamento, desse modelo, de uma corrente política ou ideologia específica: em 2024 houve um crescimento de candidaturas coletivas eleitas que se identificaram como de direita, em detrimento a candidaturas compartilhadas com origem no campo da esquerda. A codificação das candidaturas coletivas no não reflete, de per si, uma inovação no cenário político-eleitoral no Brasil, tendo em vista que a primeira experiência foi registrada ainda no ano de 2016. Mas, por outro lado, expõe todos nós a um debate acerca da eficiência do atual modelo de representatividade democrática, no sentido de compreender se as vontades do cidadão, com respeito às minorias, sem distinção, estão sendo respeitadas quando da gestão dos recursos nas estruturas do Estado. E a disputa pelos espaços de poder, ampliando a participação popular para incluir outros atores que, pelas circunstâncias, se mantiveram (ou foram mantidos) historicamente afastados, pode sim ser uma via para uma melhora na condução da política em nosso país (com o aumento da confiança nos representantes e na democracia representativa). O que não retira, por outro lado, a necessidade de conhecermos mais sobre as candidaturas coletivas e os mandatos compartilhados, sobretudo a maneira de atuação desses grupos, rechaçando a disseminação de microcosmos autoritários e que atentem contra o Estado de Direito.
15/04/2025 às 15:21
O PL 2.872/2023 e o fortalecimento do SUS
O Sistema Único de Saúde (SUS) enfrenta constantemente o desafio de garantir atendimento universal e igualitário à população brasileira, um direito fundamental assegurado pela Constituição Federal de 1988. Para cumprir esse mandamento constitucional, o sistema precisa de instrumentos jurídicos eficientes que permitam a ampliação da rede assistencial quando necessário. Nesse contexto, o Projeto de Lei 2.872/2023, apresentado pelo Deputado Federal Jorge Solla, representa um avanço significativo ao buscar regulamentar o credenciamento como forma de contratação de serviços complementares na área da saúde.
A iniciativa do parlamentar, que traz consigo vasta experiência como médico sanitarista e ex-secretário de saúde da Bahia, demonstra profunda compreensão das necessidades práticas do SUS. O PL propõe alterar a Lei 14.133/2021 (Lei de Licitações e Contratos Administrativos) para incluir expressamente a possibilidade de contratação – via credenciamento – no Sistema Único de Saúde, preenchendo uma lacuna que há muito tempo gera riscos para gestores públicos, e que dificulta a expansão dos serviços de saúde em momentos estratégicos.
Entendo que a proposta é essencial para fortalecer o SUS em três aspectos principais. Primeiro, confere segurança jurídica ao processo de contratação via credenciamento, permitindo que gestores municipais, estaduais e federais utilizem esse mecanismo sem receio de questionamentos pelos órgãos de controle externo. Segundo, torna possível adequar rapidamente a capacidade operacional da rede de atendimento conforme a demanda. Terceiro, contribui para a eficiência do sistema ao permitir maior capilaridade na oferta de serviços, especialmente em regiões mais distantes dos grandes centros urbanos.
O credenciamento já é reconhecido pelo Tribunal de Contas da União como um meio adequado para contratação de serviços complementares de saúde, tendo demonstrado sua eficácia na prática. A jurisprudência consolidada da referida Corte de Contas aponta que, quando realizado com a devida cautela e seguindo os critérios estabelecidos, o credenciamento assegura resultados de maior qualidade e preços mais vantajosos para a Administração Pública.
O Supremo Tribunal Federal, inclusive, utilizou recentemente (2024) essa mesma modalidade de contratação para “credenciamento de entidades de saúde de alta referência para a prestação de serviços nas áreas de assistência e atendimento médico, em regime ambulatorial ou hospitalar, de auxiliares de diagnóstico e terapia aos beneficiários do Plano de Assistência à Saúde e Benefícios Sociais do Supremo Tribunal Federal STFMed, com vistas à complementação da rede credenciada”. A ausência de regulamentação específica na nova Lei de Licitações, contudo, criou um cenário de incerteza que o PL 2.872/2023 visa pacificar.
O texto da proposta demonstra conhecimento técnico e compreensão das expectativas reais dos gestores do SUS, propondo uma solução que harmoniza o direito fundamental à saúde com a eficiência administrativa. A iniciativa, portanto, evidencia um olhar atento às dificuldades enfrentadas quando da operação do sistema, frequentemente limitada pela burocracia e pela insegurança jurídica.
A aprovação do PL 2.872/2023 representará um marco importante para o SUS, fornecendo aos gestores um instrumento seguro para ampliar o acesso a políticas públicas na área da saúde. Em um país de dimensões continentais como o Brasil, onde os desafios da universalização do atendimento são enormes, proposições que fortaleçam os mecanismos de gestão do sistema público de saúde merecem todo o apoio. O projeto de lei não apenas simplifica processos administrativos, mas sobretudo contribui para a construção de uma estrutura assistencial mais acessível, eficiente e preparada para atender os anseios da população brasileira.
04/02/2025 às 14:55
Memória das eleições de 2024: boas festas e feliz ano novo
Estava em casa, nos preparativos para as festas de final de ano do mês de dezembro de 2023, quando chegou a informação de que uma pré-candidata a prefeita havia instalado dois outdoors em dois diferentes acessos de entrada da cidade na qual, posteriormente, disputaria um mandato eletivo no pleito eleitoral de 2024. O conteúdo da publicidade, muito comum para o momento, desejava “feliz natal” e “boas festas”, e estava acompanhado da imagem daquela pessoa que “aos quatro cantos” já era conhecida como a escolhida para a sucessão do então gestor daquele município. As referidas peças publicitárias, que aparentavam mera felicitação natalina, me fizeram pensar se aquele material tinha ou não um apelo eleitoral capaz de ser enquadrado como propaganda eleitoral antecipada. Ou, se estariam sob a proteção da teoria do “indiferente eleitoral”, já que num primeiro olhar não havia nenhuma referência a disputa eleitoral. Não é novidade que a legislação proíbe divulgar candidatos a mandato eletivo por intermédio de outdoor (e assemelhados). Posteriormente, o Tribunal Superior Eleitoral firmou entendimento de que a vedação também se aplica aos pré-candidatos, o que, em tese, abarcaria a situação da aqui mencionada. Durante a minha análise sobre aquele fato, utilizei, para formar o meu convencimento, os inúmeros outros atos realizados por ela antes de iniciado o período eleitoral propriamente dito, como, por exemplo, uma coletiva de imprensa, com ampla repercussão no meio digital, que teve por objetivo apresentar o seu nome para a futura disputa; um evento de lançamento de pré-candidatura publicado e veiculado na internet; jingle de pré-campanha disponível nas plataformas virtuais. E nessa perspectiva um detalhe me chamou atenção. O que pretendeu a pré-candidata quando, abaixo da mensagem de felicitação natalina no outdoor, fez divulgar o endereço de seu perfil nas redes sociais? Bingo! O argumento que conduziu o raciocínio para demonstrar a finalidade eleitoral da peça publicitária, e que tratou de enquadrar o fato como um ato ilícito (e não como um ato indiferente), foi justamente o efeito multiplicador de acesso ao conteúdo veiculado na internet, mediante o redirecionamento do receptor (da mensagem no outdoor) ao ambiente virtual - que já se encontrava alimentado de muitos outros atos de pré-campanha, conforme relatado acima. Não foi à toa, portanto, que os outdoors de “boas festas” foram estrategicamente posicionados em dois diferentes acessos da cidade, em locais, portanto, com intenso movimento de pessoas, para alcançar, e com o redirecionamento para as redes sociais, perfis abertos na internet, já que tudo serviu para amplificar o número de acessos e visualizações dos atos de pré-campanha. O caso serviu de parâmetro para outros tantos, e a preocupação de um precedente negativo (na hipótese de ser afastada a ilegalidade) chegou ao Tribunal Superior Eleitoral e reverbera na Corte. Não compartilho da ideia de forçar uma ingenuidade da Justiça Eleitoral para afastar a devida repreensão, nesse e em outros tantos casos, ainda que na pré-campanha - quando não se tem o registro formal de candidatos -, sobretudo quando se está em jogo o equilíbrio da disputa, a igualdade de oportunidades e a lisura do pleito. Boas Festas e Feliz Ano Novo!
26/12/2024 às 09:02
Propaganda eleitoral antecipada
A legislação eleitoral indica o período em que candidatos e candidatas poderão disputar explicitamente a preferência do eleitor. Mas, em virtude do que ficou estabelecido com as alterações na Lei das Eleições em 2015, uma outra realidade foi instituída: a da pré-campanha. Nesse atual contexto, que não se pode de maneira alguma perder de vista, muito tem se falado a respeito do que pode ou não ser caracterizado como propaganda eleitoral antecipada. Tudo começa pela leitura do artigo 36-A da Lei nº 9.504/97. Por intermédio desse dispositivo, o legislador exemplificou os atos que expressamente não são considerados propaganda eleitoral antecipada – condicionando-os a ausência de pedido explícito de voto. De partida, permitiu-se a menção à pretensa candidatura e a exaltação de qualidades pessoais. E, mais adiante, conferiu uma espécie de salvo conduto para que o pré-candidato e da pré-candidata pudessem se manifestar sobre questões políticas – inclusive na internet, divulgar projetos, e participar de encontros e reuniões em ambiente fechado. Num primeiro momento prevaleceu o sentimento de “vale de tudo desde que não se peça voto”. Contudo, a Justiça Eleitoral logo passou a intervir para equilibrar as emoções de partidos políticos, pré-candidatos, pré-candidatas, publicitários, estrategistas, e todos os demais interessados, otimizando a vontade do legislador e impondo limites aos atos na pré-campanha. As proibições são as mais variadas, e vão muito além do que evitar um mero pedido explícito de voto. Já parou para pensar o que são as “palavras mágicas”, e qual o impacto delas na pré-campanha? Já imaginou que você pode estar diante de um pedido de voto, ou de não voto, mesmo sem necessariamente ter sido utilizada a expressão “vote em mim” ou “não vote em fulano/fulana”? A dinâmica que envolve o Direito Eleitoral exige uma avaliação muito mais ampla sobre o que pode ser interpretado como propaganda eleitoral antecipada, cuja punição é o pagamento de multa. Há quem ainda não tenha se atentado para isso. Distribuir ou permitir a utilização de camisas, bonés e quaisquer outros brindes para promover pré-candidatura; utilizar outdoor (ou dos efeitos de artifício publicitário que se assemelhe); produzir ou compartilhar desinformação e fake news; caluniar, injuriar e difamar pré-candidato/pré-candidata; são apenas alguns dos exemplos mais corriqueiros do que não se pode fazer na pré-campanha. Registre-se que uma investigação mais profunda sobre o tema pode nos levar, inclusive, a debater situações que tenham por consequência não apenas a aplicação de uma sanção pecuniária. Isso porque, a Justiça Eleitoral tem dado exemplos de que poderá reprimir o abuso de poder praticado antes da escolha de candidatos, dispensando, muito especialmente, o argumento de que não há norma a ser aplicada à pré-campanha. Portanto, mesmo antes de iniciada a disputa, uma dose de cautela e canja de galinha não fazem mal a ninguém.
06/05/2024 às 10:10
O STF, o terceiro mandato consecutivo na presidência das Assembleias Legislativas e o princípio republicano
O poder constituinte de 1988 estabeleceu, como guardião da Carta Constitucional e órgão máximo do Poder Judiciário, a atuação do Supremo Tribunal Federal e dos seus onze Ministros. Dito isso, as decisões proferidas por esse colegiado por muitas vezes enfrentam situações complexas e de alta relevância, e acabam por pacificar temas importantes para toda sociedade. Essa é uma das razões para que o legislador, seja no Parlamento federal, estadual, distrital ou municipal, tenha sempre como objetivo a compatibilização de suas leis com o que prescreve a Constituição. Se houver conflito entre uma norma “inferior” (cujo parâmetro é justamente a norma constitucional) entra em cena o que se chama de controle de constitucionalidade, como forma de reequilibrar as forças estatais. O raciocínio, nesse contexto, é que existe uma hierarquia entre as leis do nosso ordenamento jurídico, e que a norma constitucional funciona como uma guia para todas as demais. Ao mesmo tempo em que é superior, no sentido da importância e do respeito, é também estrutural, de modo a subsidiar o Poder Legislativo em todos os seus níveis. Como exemplo da contribuição do Supremo Tribunal Federal, na salvaguarda da Lei Maior, tem-se os julgamentos das Ações Diretas de Inconstitucionalidade que avaliaram o exercício da presidência das Assembleias Legislativas estaduais por mais de dois períodos consecutivos. Os Estados de Alagoas, Rio de Janeiro, Rondônia, Espírito Santo, Tocantins, Sergipe e Goiás tiveram os holofotes da contrariedade à Constituição voltados para si, justamente em razão de suas normas possibilitarem mais de uma recondução (ou simplesmente reeleição) para o mandato parlamentar de presidente da Mesa da Casa Legislativa estadual. As decisões do Supremo, em todos os casos, reconheceram a incompatibilidade do exercício da presidência nas Assembleias Legislativas por três consecutivas vezes com a Constituição Federal – independentemente se na mesma legislatura ou não. O fundamento? Violação ao princípio republicano. Este é o princípio que nos impõe a salutar e tão preciosa alternância no poder, e que, sem dúvida alguma, confere estabilidade à democracia. O Supremo Tribunal Federal, portanto, tem deixado a mensagem de que as normas estaduais, em que pese a reconhecida autonomia, devem preservar a oxigenação no comando do Legislativo. Dessa forma, nada melhor do que uma boa dose de autocontenção, e de autolimite, nas rodadas de conversa sobre o assunto.
24/11/2023 às 08:43
Política não é mágica
Consoante o ex-presidente da França François Hollande: “política não é mágica, não é uma sacola de truques, mas uma questão de vontade, estratégia e coerência.”, utilizo-me desse raciocínio para propor - nesse espaço de reflexão - que não se deve esperar dos governos recém-iniciados que correspondam, de imediato, às inquietações da sociedade. Por mais que as necessidades sejam conhecidas (por exemplo, nas áreas da saúde e da educação, na geração de empregos, na segurança pública, entre outros), as providências administrativas e a capacidade de resolução dos problemas sociais dependem - não somente - da vontade dos integrantes da máquina estatal. Há de se pensar num cenário muito mais amplo, de maior complexidade, que sofre ingerências dos mais variados elementos. A vontade (não restam dúvidas) é um importante atributo. Existem, contudo, fatores, como a “mão invisível do mercado”, a proteção ao meio ambiente e a globalização, que, por vezes, precisam ser valorados quando o indivíduo se propõe a avaliar a atuação do Estado dentro da sua própria realidade. É imprescindível, portanto, dar valor aos contextos internos e externos nos quais estamos todos inseridos, em franco sinal de respeito a essas circunstâncias. Assim sendo, nem tudo pode ser decepção. A política está aí para nos mostrar que é, por seu intermédio, - escolhas (voto) somadas ao fator tempo (até um próximo pleito eleitoral) - a melhor saída para a evolução. Isso significa olhar para os compromissos assumidos por um candidato, frente aos desafios que movem o exercício da representação do poder e da sua atuação no Parlamento. Daí que o agir (de maneira estratégica) deve permanecer - a todo tempo - na ordem do dia do gestor público, especialmente quando se está diante de inúmeros interesses (sociais, empresariais e do próprio estado), mas não exclusivamente dele. Precisa, desse modo, ser levada em conta a estratégia que merece ser observada pelo cidadão, quando se dirige às urnas para escolher o destino da coletividade. Nesse contexto, os efeitos nocivos do voto em branco e do voto “nulo” são evidentes. Essas posturas, lamentavelmente, saltam aos olhos, especialmente por significarem a “não escolha”, ou pior, uma “omissão” consciente e deliberada, que jamais poderá ser considerada uma forma de “protesto”. Política não é mágica, não se tira da “cartola”, portanto, e nem deve servir como espetáculo de pirotecnia. Que ela nos permita sempre construir avanços sociais e econômicos, mas de mãos dadas e mediante uma democracia cada vez mais fortalecida, com as experiências do passado, os aprendizados do presente e os anseios do amanhã.
02/05/2023 às 08:03
A redução no FPM: desesperadora realidade
No final da manhã de 30 de dezembro de 2022, um dia de sexta-feira, tocou o meu telefone celular. Até então nada de anormal, tendo em vista os variados contatos que faço durante os 7 dias da semana, de domingo a domingo. Ao me deparar com aquela ligação específica, entretanto, não fazia ideia do que estaria por vir.
Era final de ano, a Justiça de recesso, e eu estava a caminho da praia com familiares. Mas, nada disso importava.
Como de costume, atendi a chamada e pedi um compreensivo silêncio - dentro do carro - para me concentrar na conversa. Do outro lado da linha falava um Prefeito. Muito mais agitado e ansioso do que o normal, ele já na primeira frase se demonstrou desesperado. Estávamos, eu e ele, diante de uma situação realmente desesperadora.
Naquele momento ele parecia não acreditar que o seu município perderia milhões de reais após um recalculo do repasse do Fundo de Participação dos Municípios (de responsabilidade da União) o que, com isso, deixaria de executar todas as políticas públicas planejadas para 2023. No fundo no fundo ele sabia que o prejuízo pela drástica e repentina redução de recursos federais seria suportado pela população, e o seu instinto foi de lutar para reverter aquele cenário o mais rápido possível.
Precisei de poucos minutos para me indignar com os fatos apresentados pelo Prefeito durante a sua fala, e enquanto me acomodava na barraca da praia fiz algumas reflexões. Advogar, para mim, é um ato de indignação na busca pela defesa dos interesses do cliente. O meu desafio era de defender indiretamente quase 40 mil pessoas que dependiam da força dos meus argumentos. Mas esse número se multiplicou após outros Prefeitos me procurarem para tratar do mesmo assunto.
Formulei o texto central da petição ali mesmo, e sob o calor do verão da Bahia, com a inspiração do mar, aprontei a tese. Estávamos prestes a iniciar uma imprevisível discussão judicial contra o fato do Tribunal de Contas da União ter se utilizado de um censo populacional inconcluso, ainda em revisão, para dividir o dinheiro entre os municípios.
Os casos foram parar no plantão da Justiça em meio a uma terrível insegurança jurídica, com entendimentos diametralmente diferentes. Deparar com uma decisão favorável passou a ser motivo de angústia, sobretudo em solidariedade aos inúmeros municípios que não obtiveram o mesmo êxito nas suas pretensões.
Sem descanso e parceria firme até o última instância. A dedicação das centenas de Prefeitos para evitar o retrocesso social e a redução da capacidade de investimento em seus municípios é pauta prioritária na política, na imprensa, e constitui acervo crescente no Poder Judiciário. O caso, agora, chegou ao Supremo Tribunal Federal com o apoio da Mesa da Assembleia Legislativa da Bahia, representada por seu Presidente. Como bem disse Raul, não diga que a vitória está perdida, pois é de batalhas que se vive a vida.
19/01/2023 às 16:23
Accountability e as eleições
Não há palavra em nosso português que consiga definir bem o termo “accountability”. Mas nem por isso devemos ignorá-lo. Ao contrário: é necessário buscar cada vez mais compreender o seu significado, e analisar as condutas humanas sob a sua perspectiva, sobretudo para que algumas escolhas ao longo da vida façam sentido. No contexto das eleições a "accountability" permite identificar, avaliar e questionar a responsabilidade de cada ator desse processo de escolha dos representantes do povo, seja ele o eleitor, o candidato (e o seu partido político) e por que não incluirmos também as instituições. Afinal, o que é ser “accountable”? O conceito utilizado pela psicologia nos auxilia a formular uma resposta para essa pergunta. Inclusive, é possível nos depararmos com a "accountability" diariamente, nas mínimas situações. Fato é que estamos diante de um mandamento, de uma regra de consciência que orienta a maneira de agir ou de atuar com responsabilidade, sempre com o objetivo alcançar um resultado. Já as ciências contábeis, que demonstram familiaridade com o termo, utilizam a "accountability" para fixar premissas de transparência e de prestação de contas, em especial para viabilizar o controle e a fiscalização. O que faz todo sentido. No processo eleitoral visualizamos a combinação de ambos os contextos, já que o candidato e a candidata necessariamente devem pautar as suas campanhas sob a ótica da moralidade, da legalidade, se abstendo dos abusos de poder e de atos que visem desequilibrar as eleições. A finalidade é preservar, sempre, a legitimidade e a liberdade do voto, para que a democracia seja exercida na sua plenitude e a fim de refletir uma autenticidade na proclamação dos eleitos. Não menos importante, aquele que disputa uma eleição (ou mesmo na hipótese de desistência ou renúncia da candidatura) deve demonstrar responsabilidade quanto à arrecadação e aos gastos dos recursos públicos e privados, permitindo a devida inspeção e chancela por parte da Justiça Eleitoral. Com isso, a “accountability" serve também como guia para as prestações de contas das campanhas eleitorais. O voto do eleitor, por sua vez, assume maior relevância quando da escolha dos governantes e parlamentares, não bastando que seja livre e consciente. É preciso combiná-lo com a "accountability", no sentido de construir o melhor não para si mesmo, mas para toda uma coletividade. Sendo assim, a decisão por substituir ou manter aqueles que conduzem os espaços de poder, na melhor forma “accountable”, deve ser acompanhada de um propósito que justifique a sobrevivência do indivíduo em comunidade. Por fim, para concluir a reflexão sobre a "accountability" nas eleições, especialmente considerando o trinômio eleitor, candidato e a Justiça Eleitoral, tenho que a repressão a práticas abusivas que desequilibrem o pleito é tarefa das mais relevantes no processo democrático, sobretudo na conjuntura de um Estado de direito. E esse é um papel a ser desenvolvido exclusivamente pelo Poder Judiciário, através de um Órgão especializado, sempre que - de maneira responsável - os fatos reclamarem a intervenção. A “accountability”, portanto, aplicada à Justiça Eleitoral, orienta que - no curtíssimo espaço de tempo do período de campanha - ela passe à margem de omissões, no sentido de garantir e prezar por uma disputa justa e pela confiança nas instituições - por mais polarizada que esteja a política.
05/12/2022 às 08:00


